quinta-feira, 31 de dezembro de 1998

O jogo e as regras

 O MAIS recente filme de Joaquim Leitão, Tentação, revela-se um sucesso comercial, tendo ultrapassado em tempo recorde a fasquia dos 200 mil espectadores, e parece em vias de se tornar o maior êxito português de bilheteira desde há muitas décadas. O acontecimento, que deve alegrar todos os que se interessam pelo progresso do cinema português, suscita algumas reflexões, que se podem estender a outros filmes portugueses.
Tomemos o exemplo de Ossos, de Pedro Costa, cujo número de espectadores ronda os 20 mil. À primeira vista, a «disparidade» dos números pode provocar sorrisos, servindo para alimentar a estéril querela que há muito existe no «meio» do cinema português entre os que defendem um cinema «artístico» a todo o custo e os que acham que só o cinema «comercial» pode salvar a nossa «cinematografia» - como se um filme comercial não pudesse ser também «artístico» e outro desta categoria não possa tornar-se um êxito de bilheteira.
Se escolhemos Ossos para colocar ao lado de Tentação é porque o filme de Pedro Costa, à sua medida, constituiu também um apreciável êxito. A questão não está em optar por um contra o outro e sim em perceber que ambos têm um mercado e que o que interessa é que cheguem a ele. Digamos que neste caso, tanto Tentação como Ossos alcançaram esse objectivo. Atentar na forma como lá chegaram poderá ser uma lição proveitosa para o futuro de outros filmes. Em termos de distribuição, Tentação foi mais longe do que o filme anterior de Leitão, Adão e Eva. Pela primeira vez, um filme teve um lançamento simultâneo de 30 cópias, facto que poderá ficar como uma «data» na história do cinema português, fazendo-nos desejar que inaugure também uma «época», tal como Tubarão o fez no cinema americano de hoje (recorde-se que foi o filme de Spielberg que lançou o sistema da estreia de centenas, e depois milhares, de cópias de um mesmo filme em simultâneo, razão principal da aparição da série de «blockbusters»).
Mas a característica mais importante desta operação foi a sua amplitude nacional, estreando-se através da rede de exibição da Lusomundo. Quase todo o país pode ver, por isso, o filme de Joaquim Leitão.
Poderia outro filme, que não Tentação, alcançar o mesmo objectivo? (Feita a pergunta de outra forma: poderia Tentação alcançar esse objectivo sem a Lusomundo?). Curiosamente, Ossos veio mostrar que sim. Para além das três salas da Atalanta que ocupou em Lisboa e das duas do Porto, o filme de Pedro Costa correu por outras 16 cidades, em cinemas da distribuidora e outras salas independentes (vale a pena destacar que no AMC de Gaia, situado numa «catedral do consumo» do Norte, Ossos não se saiu mal, com os seus 2083 espectadores).
O que se verifica é que dois filmes, em princípio dirigidos a públicos diferentes, lograram alcançar o objectivo final a que (como todos) se propõem: chegar a esses públicos. E tal só foi possível devido à «aposta» feita por ambas as distribuidoras. O que nos leva para a questão central: a do «mercado» e dos agentes que o dominam, da livre concorrência e da possibilidade de outros filmes terem as mesmas oportunidades, a que a estreia esta semana do filme de João César Monteiro, Le Bassin de J.W., parece trazer a nota dissonante.
De facto, Tentação e Ossos mostram que existe «mercado» para qualquer filme português, que existe um público mais «geral» para o cinema de Leitão e um mais restrito, mas não menos interessado e capaz de «sustentar» o êxito, para o de Costa. A questão básica está no acesso a esse mercado, poderia concluir e com razão o filme de Monteiro.
E é aqui que, no fim de contas, o Governo, através da Lei do Cinema, poderá ter uma palavra a dizer, que será a de garantir essa igualdade de oportunidades, de modo a evitar que uns sejam «filhos» e outros «enteados». Por muitos discursos bonitos e convincentes que as duas forças atrás referidas, que se enfrentam no cinema português, possam proferir.
M.C.F., Expresso, 03/12/1998

Noticias 1998

14 DE JANEIRO 1998

A estreia de TENTAÇÃO (1997 - Joaquim Leitão) bate recordes comerciais no cinema português, com 203.853 espectadores em 18 dias.

INSTITUTO CAMÕES

22 DE JANEIRO 1998

Lusomundo anuncia que PESADELO COR-DE-ROSA de Fernando Fragata, e ZONA J de Leonel Vieira, ainda em exibição, atingiram - respectivamente - 181.341 e 187.574 espectadores, passando a integrar a lista dos 5 filmes portugueses mais vistos de sempre, da qual já constavam O LUGAR DO MORTO (1984) de António-Pedro Vasconcelos, ADÃO E EVA (1995) e TENTAÇÃO (1997) de Joaquim Leitão.

INSTITUTO CAMÕES