terça-feira, 31 de outubro de 2006

Small is beautiful

O Paris-Match da semana passada trazia um suplemento dedicado a Portugal. Lá dentro, entre vários artigos encomiásticos e idiotas, escritos naquela prosa lírica e fútil em que os franceses são exímios, vinha um artigo sobre a excelência do cinema português.

Emoldurando uma fotografia de um filme de Oliveira, podia ler-se a opinião não assinada de alguém que procurava vender aos franceses essa excentricidade que é o ‘cinema português’. Para quem tivesse dúvidas sobre o que ia encontrar, o título dizia tudo: «Um cinema à procura de público»!

Passo sobre as declarações do Presidente do ICAM, que faz o seu papel de defender a «qualidade artística» dos filmes que o Instituto subsidia. Nada disso tem importância. O que deteve a minha atenção foi a frase de abertura, que é todo um programa: «O cinema português sempre optou por uma expressão artística menos vistosa do que as superproduções hollywoodescas». «Optou»?! Ficamos a saber que se, em Portugal, alguém como Pedro Costa, por exemplo, faz No Quarto da Vanda, em vez de fazer o Titanic, não é por falta de meios; é por opção estética!

Estas enormidades alimentam a ideia que o lobby que domina a actividade cinematográfica em Portugal de há vinte anos para cá exportou para Paris e que, por um efeito de boomerang, foi reexportada para Lisboa: a de que o ‘cinema português’ é o mais livre do mundo (porque não depende do mercado, mas do Estado), o mais original (porque os cineastas fazem o que querem, e não o que os produtores lhes impõem), o mais subversivo (porque não respeita nenhuma convenção) e o mais artístico (porque os filmes não têm que dar contas ao público, mas aos críticos).

Num país com um défice cultural alarmante, esta ‘liberdade’ tem custos discutíveis, mas não é discutida por ninguém. Os maiores beneficiários fazem passar a ideia de que o ‘cinema de autor’, que eles, e só eles, praticam com abnegação e sacrifício, é uma espécie em vias de extinção que o Estado deve proteger dos predadores industriais.

Caucionada pelos franceses, esta perspectiva ecológica sobre o ‘cinema português’, fez calar qualquer contestação interna e, pelos vistos, vai continuar a fazer estragos. Em Agosto de 2004 foi publicada a nova Lei do Cinema, que, apesar das suas enormes deficiências, podia mudar um pouco este lamentável panorama, porque o Estado deixava de ter o direito exclusivo de decidir sobre o destino dos cineastas. A verdade, porém, é que, mais de dois anos depois, a Lei continua por regulamentar e os filmes vão continuar, como alguém disse, a ser produzidos segundo essa lógica aberrante de que «o Estado deve subvencionar a subversão».

por APedroVasconcelos

28/10/2006

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